31 de julho de 2009

Uma epopéia com 30.000 mortos

No começo do século XX, a Questão do Acre, um confronto entre brasileiros e bolivianos que exploravam borracha na região, acabou sendo resolvida pelo Tratado de Petrópolis, assinado em 1903.

Por este tratado, o Brasil ficava com o Acre, e comprometia-se a construir, no prazo de quatro anos, uma ferrovia ligando o município de Guajará-Mirim, na época Mato Grosso, a Porto Velho em Rondônia. Esta ferrovia facilitaria o escoamento da borracha boliviano e brasileira até o porto de Belém no Pará, permitindo o acesso da mercadoria aos rios Madeira e Amazonas.

Em 1907, a concessão para a construção da ferrovia é entregue à empresa norte-americana May,Jeckyll & Randolph, que constitui em Portland, nos Estados Unidos, a Madeira-Mamoré Railway Co., que fazia parte do grupo Brazil Railway Co., um conglomerado que operava diversas ferrovias no Brasil e no exterior, capitaneada pelo magnata americano Percival Farquhar.

Na verdade, a primeira tentativa de construção da ferrovia, foi feita em 1872 pela Public Works Construction Co., de Londres. Mas toda a equipe de trabalhadores foi dizimada pela malária e pelos índios Caripuna. A empresa entrou com uma ação de rescisão do contrato, alegando que aquele ponto da Amazônia era um antro de podridão, onde os homens morriam como moscas. Os enxames de mosquitos, as formigas-de-fogo, o beribéri, a malária e as flechas dos índios Caripuna faziam daquela região um verdadeiro inferno para os trabalhadores.

A empresa May, Jeckill & Randolph tinha o conhecimento de todas essas dificuldades, mas aceitou recomeçar a odisséia. Vieram trabalhadores de todo mundo. Espanhóis, portugueses, alemães, italianos, russos, cubanos, mexicanos, porto-riquenhos, árabes, índios norte-americanos e brasileiros. A vida era dura, mas o pior eram as doenças. As baixas eram alarmantes. Em apenas três meses de trabalho, os homens já estavam gravemente enfermos.

A empresa, então, ergueu um hospital entre Porto Velho e o fim da linha, Guajará-Mirim. Na fase de maior atividade, entre 1909 e 1911, chegou a haver onze médicos trabalhando. Mas nem eles escapavam, três deles morreram e dois ficaram inutilizados.A situação era tão trágica que o hospital pouco valia. A morte rondava cada dormente.

À noite, os índios Caripunas vinham em grupos e arrancavam os dormentes e trilhos colocados durante o dia. Os seguranças da empresa passaram, então, a eletrificar a estrada, à noite. Em poucos meses, centenas de índios foram mortos. Mas, eliminados os índios, ficaram a malária e a loucura.

Os últimos dormentes e trilhos foram assentados a 30 de abril de 1912. Mais tarde, o presidente americano, Theodore Roosevelt, diria que as duas maiores obras realizadas na América eram o Canal do Panamá e a madeira-Mamoré. Mas não disse que a construção dessa estrada de ferro de 366 quilômetros e 450.000 dormentes bateu o recorde mundial de acidentes de trabalho. Morreram quase todos os operários que participaram dessa obra, ou seja, mais de 30.000 pessoas.

O custo da obra, segundo a própria May, Jeckyll & Randolph, foi de quase 82.000 contos de réis, dos quais o governo brasileiro somente pagou à metade. Para o cúmulo da tragédia, a Madeira-Mamoré logo ficaria obsoleta. No mesmo ano em que foi inaugurada, dava-se o fim do ciclo da borracha. Já não havia o que transportar.

Fonte de Pesquisa; Nosso Século. Abril Cultural, 1981

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Um comentário:

  1. Quantas vidas perdidas e tempo na construção dessa ferrovia, impressionate.
    A paz

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