Um dos tantos paradoxos que fazem parte de nossa vida refere-se à sensação de “falta”. Como quando falamos, por vezes sem perceber, dizemos sempre mais do que tencionamos, procuro no dicionário Aurélio os significados de “falta”, que escapam para além do que digo. Essa palavra designa ausência, carência de algo, ao mesmo tempo em que inclui também a dimensão do engano, culpa, defeito. Para a psicanálise “falta” também pode ser “castração”. Falta de amor, falta de objetivo, falta de saúde até, falta de amigos, falta de qualquer coisa. Faltar sempre algo é inerente à condição humana assim como a nossa inaceitabilidade desta evidência, a princípio. A tentativa é sempre de obliterar esse tipo de sensação e para isso, existem vários caminhos.
Um deles é a sedação contínua através das drogas lícitas ou ilícitas. Não suportar minimamente esse estado de falta, é um dos aspectos que está na base da dependência química em função de alterações fisiológicas no organismo e também dependência psíquica na maioria dos casos. Na obra “Delinqüência e Toxicomania”, o psiquiatra e psicanalista francês Charles Mellman coloca que a lógica da dependência química representa ao extremo o funcionamento da sociedade ocidental atual, onde há um “excesso” de toda a ordem e principalmente no sentido de ofertas dos mais diversos objetos que são oferecidos para suprir as sensações de faltas, tamponando inclusive a capacidade de desejar.
Aliado a isso, temos também a forma peculiar das famílias lidarem com esses tipos de situações junto aos filhos, onde fica cada vez mais difícil privá-los de algo, posto que tudo é muito acessível e possível. A satisfação é quase contínua uma vez que o tempo de espera para alcançar os objetos é cada vez mais reduzido. O tiro pela culatra é que alguém maximamente satisfeito tem dificuldades ou até impossibilidade de descobrir seus desejos, uma vez que são eles que nos movem, nos impelem à luta, novas descobertas e realizações. Porém, será que podemos dizer que quem não vai à luta está satisfeito? Talvez ele esteja mais, ancorado no desejo dos outros. Deseja o que o outro deseja e dessa forma instala-se num estado perigoso de dependência. É como se estivesse sempre num compasso de espera.
Outra possibilidade é ter as mínimas condições de suportar a vivência da falta, que geralmente produz ansiedade, desconforto, frustração e sofrimento. Paradoxalmente, isso tudo é decorrente da não realização de algo, da suspensão do desejo, no sentido de suspense mesmo, por não saber o que vai acontecer. Esse processo doloroso pode ser a mola propulsora da produção do novo, do inusitado, da descoberta de novas paragens. Tomar atitudes, como se diz, ir à luta, trilhar novos caminhos, nem que seja “abrindo picadas” é assumir a própria condição humana de estarmos sempre em falta. Sim, sempre em falta, posto que não é um processo que tenha fim. Alcançamos novas realizações, nos satisfazemos momentaneamente com o alcance de algumas conquistas e novamente somos invadidos pela mesma sensação de vazio. O quê falta? Essa pergunta busca alguma resposta que comporte um nome, uma indicação de qual será o próximo caminho a ser trilhado nessa busca incessante, como errantes, andarilhos. Mas é diferente andar a esmo, sem rumo, perdido, do que buscar referências que norteiem esse novo andar. Esperar que alguém dê a mão pode significar tomar o caminho que esse outro escolheu e que não necessariamente serve para outra pessoa.
Ninguém se lança em novos investimentos, de qualquer ordem, se estiver tudo bem. É necessário um plus de “falta” para que haja desejo, pois somente dessa forma ele pode ser libertado.
Por: Návia T. Pattussi/Psicanalista/naviat@terra.com.br
Fonte: MARCOS A. BEDIN
MB Comunicação Empresarial/Organizacional
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