Estes dias um dito grande economista escreveu num grande jornal brasileiro: “A retomada do consumo tem sido muito rápida e já estamos em níveis de vendas ao varejo muito superiores aos de antes da crise. A geração de empregos está acontecendo com a mesma intensidade de antes de setembro de 2008. Nos últimos cinco meses, as estatísticas do Ministério do Trabalho apontam para um aumento anual de quase 2,5 milhões de postos de trabalho no mercado formal.
Com isso, a massa de salários deve em breve crescer a uma taxa anual superior a 6,5% ao ano. Sem alterações nesse ritmo, a taxa de desemprego poderia chegar a 5% ao final de 2010, nível nunca visto no país. (...) teremos um mercado de trabalho bem pressionado ao longo do restante do ano, com aumentos reais de salários e uma massa de renda crescendo de forma expressiva” (Luiz Carlos Mendonça de Barros, COPOM: Decisão política ou técnica, FSP, B2 dinheiro, 19.03.10).
Notícias, análises e números melhores que estes é difícil de encontrar nos economistas e analistas mesmo os mais otimistas. Mas a conclusão do articulista não é nem um pouco positiva e agradável e tem outro objetivo: “Fica claro, portanto, que é preciso uma sensível desaceleração do crescimento do emprego para evitar o aumento de pressões inflacionárias. Como considero o canal dos salários um dos mais importantes mecanismos de aumento dos preços de mercado, teremos nos próximos meses uma forte pressão sobre a inflação”. Ou seja, quando estamos prestes a chegar a uma taxa histórica de empregabilidade – nunca o desemprego brasileiro foi tão pequeno – e a um crescimento inédito da massa de salários, ou seja, nunca os pobres e trabalhadores tiverem tantas melhorias na sua vida, a receita mais uma vez é... aumentar os juros para desacelerar o crescimento do emprego e da renda. Afinal, dizem, o perigo máximo é a inflação e inflação combate-se com desemprego e redução de salários (ou aumento da taxa de juros).
Resumo: é preciso mais uma vez empobrecer quem vive de salário e do seu trabalho e desempregar. É a receita neoliberal nua e crua rondando os mercados aflitos. Nada de taxar os superlucros. Nada de criar um imposto sobre as grandes fortunas. Nada de fazer a reforma tributária para que os ricos brasileiros finalmente paguem impostos proporcionalmente a seus ganhos e mansões. Cortar onde? Em quem finalmente consegue respirar um pouco, pôde colocar alguns móveis dentro de casa ou mesmo comprar uma casa, em quem pela primeira vez consegue alimentar melhor os filhos e colocá-los na escola ou até mesmo na Universidade, em quem vislumbra algum futuro e está podendo conviver com a esperança. A mesma edição do jornal que traz o artigo citado dá conta que, segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos), 79,9% das 692 negociações salariais monitoradas em 2009 obtiveram aumentos salariais acima da inflação. O número é melhor que o de 2008. Segundo o economista Fábio Romão, “passaremos de uma retração do PIB de 0,2% em 2009 para um crescimento em torno de 5,8% em 2010. Sem dúvida será um ano favorável para os ganhos reais”. Que economia é essa que, supostamente, não tem fôlego para agüentar taxas baixas de desemprego ou aumentos reais de salário? (Não se pode esquecer que no Brasil quase 80% dos trabalhadores assalariados com carteira assinada ganham até 3 salários mínimos. E o Brasil continua sendo o país com maior desigualdade social da América Latina e um dos mais desiguais do mundo.)
A verdade é que o ‘senhor mercado’ não deu conta do recado. A crise o desnudou definitivamente. Precisou vir o Estado para salvar bancos como o City e montadoras como a GM, hoje estatizadas pelo governo americano. Além disso, o ‘senhor mercado’ provocou as maiores taxas brasileiras e mundiais de desemprego da história e concentrou a renda e a riqueza como em nenhuma outra época. O mesmo ‘senhor mercado’ exigiu as privatizações que encheram as burras de poucos e produziram a maior crise econômico-financeira internacional desde 1930. Felizmente, o Brasil tem um governo com capacidade de reação, energia e visão política de propor caminhos alternativos que trouxeram menos sofrimento aos pobres e trabalhadores que nos EUA, na Grécia, nos países do Leste e no Japão. O problema, pois, não é ‘desacelerar o crescimento’ ou evitar ‘aumentos reais’ de salário. É, sim, propor outro modelo de desenvolvimento, é regular o mercado, é controlar os capitais que flutuam no mundo à busca de incautos ou de neoliberais que perderam o trem da história. O caminho é outro, muito outro. Quem ainda quer taxar trabalhadores em vez de taxar os super-ricos, quem quer voltar a empobrecer os que estão deixando de ser remediados não entendeu nada do que está acontecendo. O cinismo não tem mais vez. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro’, diz a Campanha da Fraternidade/2010. A economia deve ser solidária e levar à vida. A voz das ruas e da sociedade sabe quem são os responsáveis pelas tragédias das últimas décadas. Elas não se repetirão. O povo organizado e consciente não permitirá retrocessos.
Por: Selvino Heck - Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República
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