20 de novembro de 2011

Filme: O dia em que não nasci

A obra cinematográfica O dia em que não nasci (Alemanha, 2010, 95min, drama), de Floriam Cassem, trata dos débitos das ditaduras civis e militares latino-americanas. Um tema dual, já que sobre ele existem diversas obras – remontando à II Guerra, ao nazismo e ao surgimento da aliança militar ocidental – mas também porque essa produção provoca efeitos, parecendo ainda não ter esgotado a caudal de dores, ressentimentos e sonhos interrompidos, às dezenas de milhares, na América do Sul.odiaemq

O filme narra a história de uma nadadora que vive na Alemanha, viaja ao Chile e, durante a escala em Buenos Aires, ouve uma canção de ninar que a faz cantarolar as frases num espanhol que ela não fala. Ela se emociona, perde a conexão e fica em Buenos Aires. Telefona para o pai, que aparece no hotel dois dias depois. Isso inicia um processo de revelações sobre a ditadura militar, as razões de ter sido levada à Alemanha nos anos 80, chegando ao clímax de procurar a família dos verdadeiros pais.


Fatos como o contato com a polícia, o envolvimento com um policial, a revelação de que sua família alemã colaborou com o regime e o reencontro com sua família biológica são etapas que vão revelando a complexidade do crime, de um lado, e do outro, a calma, a paciência e o amor necessários ao restabelecimento da verdade, buscando não ferir quem errou, mas agiu de boa fé. Isso exige maior sensibilidade, coragem e humanidade para desconstruir o erro sem causar mais mal.


O filme é denso como o trânsito da capital argentina e tenso como os enredos que envolvem as histórias da repressão, sobretudo ao mexer na ferida aberta da estratégia de sequestrar filhos de opositores do regime para “purificar” o país da influência do comunismo. Na verdade, a segunda etapa de um monumental crime de Estado para enfrentar um perigo mais imaginário que real, resultante da repressão extrema em defesa da ideologia da segurança nacional.


O fato do filme estar em cartaz nesta época parece integrar esse kairós latino-americano – um tempo escatológico -apocalíptico em que nos  defrontamos com as dores desse tempo em que passamos a limpo nosso passado recente – acordando de um inebriante pesadelo, que se torna mais forte tanto quanto a consciência começa a se plenificar, nos fazendo, a um só tempo, tomar consciência do ocorrido, descobrir o que fazer para resgatar dignidades, apoiar a reconstrução da vida, justiçar as vítimas, recuperar a memória dos torturados, e confrontar os interesses que provocaram tanto sofrimento e morte.


Três fatos recentes emprestam importância a esse tema recorrente: a dificuldade do debate pelo controle das elites financeiras sobre a grande mídia; a condenação do Brasil pela Corte Inter-Americana de Direitos Humanos (CIDH) após o Supremo Tribunal Federal manter a lei da anistia e negar a justiça às vítimas da ditadura; a repatriação dos documentos que estavam na sede do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em Genebra (Suíça), e do Center for Research Libraries, em Chicago (EUA); e a condenação de militares e civis envolvidos na repressão argentina, que produziu o maior número de mortos em nosso continente.

Para quem não tem medo de filme sobre o terror real e tem coragem para se defrontar com verdade e disposição, e amor para retomar a vida, compromissar-se com seu tempo e seguir em frente, recomendo assistir.

Por: Antonio Carlos Ribeiro/ALC

Blog Widget by LinkWithin

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu recado.

Recomendo

Arquivo do Blog