31 de dezembro de 2009

Entre nós e o mundo

Entre nós e o mundo há um muro; o muro da linguagem. Essa frase não é invenção minha e penso tê-la lido em algum lugar. Acho que foi num dos Seminários de Lacan. Invade-me a imagem de Lula na capa da revista Veja desta semana e sinto um mal estar. A par dela está escrito que o lançamento do filme de sua vida é uma forma de cultuar a imagem messiânica, o mito no qual ele se sustenta para manter-se no poder, independente de suas realizações, ou não, durante o governo.

Como identificar a verdade dos fatos? Essa é uma questão que perturba a humanidade desde sempre e é alvo de estudos e elucubrações de muitos pensadores. Desde que existe a palavra coloca-se em xeque o que ela transmite. Que uma palavra não corresponde necessariamente a um determinado objeto é fato. Haja vista a linguagem poética, por exemplo. Se digo “Você é o sol de minha vida”, a palavra “sol” está designando outra coisa que uma estrela solar. Convenço-me de que a maioria das palavras que proferimos são “poéticas” sem percebermos. Poéticas por que constantemente usamos metáforas ou metonímias. A palavra na verdade parece um organismo vivo que lá pelas tantas pode metamorfosear a si mesmo e o seu entorno. Pode transformar quem a profere, a ouve ou lê. Suas múltiplas significações nos abrem possibilidades de criação assim como a fixação num sentido só, fechamentos.terra2

Platão, no diálogo Fedro, já dizia que a linguagem é phármakon, palavra grega traduzida por “poção”, que possui os seguintes sentidos: remédio, veneno e cosmético. O discurso político e midiático geralmente é cosmético, pois o que se visa deliberadamente transmitir é uma imagem que se preste a consolidar geralmente as relações de poder político ou econômico. Esse recurso é antigo e atual. É veneno quando se presta a agressões que podem matar relações assim como pode ser remédio no sentido de proporcionar alguma cura, como o que se visa numa análise ou psicoterapia.

Mas, de qualquer forma a linguagem não dá conta de transmitir verdadeiramente a essência do que percebemos no mundo externo assim como no nosso universo interior, apesar de prestar-se a ser uma porta de abertura, de acesso a outras realidades que vão além dos nossos sentidos. É um instrumento que nos forma e informa, deforma, conforma, reforma, dá forma. Há sempre um resto de não-dito, mal-dito, ben-dito! A luta incessante é desvendar o mistério que se esconde e se mostra através do que dizemos ou escrevemos; talvez muito mais no que dizemos. Há uma máxima psicanalítica de que dizemos sempre muito além do que pensamos transmitir. Bem, não precisa ser psicanalista para perceber isso. Na vida cotidiana sacamos as nuances de um olhar, uma palavra, um gesto. Posso dizer “tudo bem” para transmitir várias mensagens, de acordo com a entonação ou a pontuação que utilizo.

Mas..., sim, é fato, entre nós e o mundo há a linguagem, há um muro, permeável ou impermeável, de sons, sussurros, desejos, intenções, ilações, emoções, noções, divagações...

Por: Návia T. Pattussi/Psicanalista/naviat@terra.com.br

Fonte: MARCOS A. BEDIN

MB Comunicação Empresarial/Organizacional

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