20 de outubro de 2012

Atiraram no homem para matar a fábrica

Belo de Farias, um negociante de animais no sertão do Ceará, casado, pai de cinco filhos, não resiste aos encantos de uma adolescente de 14 anos, Leonilda Flora da Cruz Gouveia. Três anos depois, no dia 5 de junho de 1863, em Ipu, Ceará, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia vem ao mundo. Aos quinze anos, logo depois da morte da mãe, Delmiro vai ganhar a vida como bilheteiro e condutor de bondes, no Recife. Em 1881, entra para o comércio de peles. Seu tino e sua inteligência começavam a lhe abrir as portas da fortuna. Dois anos anos depois, no dia 28 de agosto de 1883, casa-se com dona Iaiá, filha de seu amigo, o tabelião Antônio Severiano de Melo Falcão.

Em 1892, por sua amizade com John Sanford, americano que comerciava com peles, é convidado para ocupar a gerência do curtume Keen Sutterly & Co., com sede na Filadélfia. Mais tarde, quando volta de sua segunda viagem aos Estados Unidos, compra as instalações e escritórios da Sutterly. Em 1898, associa-se ao diretor geral do Banco de Pernambuco, Antônio Carlos Ferreira da Silva, e à firma Rossbach Brothers, e passa a ter o monopólio das exportações de couro no Nordeste.

Resolve, então, construir um mercado. Compra os terrenos do antigo Derby Club e, a 7 de setembro de 1899, inaugura uma firma precursora dos supermercados. Dotado de luz elétrica, sistema de esgotos, chafarizes com água em abundância, e até de um parque de diversões, o Mercado Modelo vende os mais variados gêneros, de alimentos a roupas. A região em torno do mercado começa a se desenvolver. Delmiro consegue eliminar os intermediários no processo de comercialização, comprando direto dos pequenos fazendeiros. O povo do Recife jamais conhecera preços tão baixos.Delmiro

Mas o prestígio do coronel Delmiro representa uma ameaça para os interesses políticos dos grandes proprietários rurais. Rosa e Silva, vice-presidente da república, organiza, então, uma ofensiva de boicote ao Mercado Modelo. Por ordem do prefeito Esmeraldino Bandeira, as mercadorias são apreendidas. Desesperado com a situação, Delmiro viaja ao Rio de Janeiro para resolver o problema diretamente com Rosa e Silva. Mas não chegam a um acordo, e Delmiro acaba agredindo a bengaladas o vice-presidente em plena rua do Ouvidor. A resposta não tarda e na noite de 2 de janeiro de a900, o mercado é incendiado.

Delmiro retoma o comércio de peles e em 1910 já tem capital para realizar um novo sonho: explorar o vale do São Francisco, industrializar a energia hidrelétrica de Paulo Afonso, e instalar, na região, um centro agrícola e industrial. Compra todas as terras secas devolutas da região de Água Branca. Além disso, consegue isenção de impostos para uma fábrica de fios e linhas e a concessão para captar energia elétrica da cachoeira de Paulo Afonso. Importa equipamentos da Suíça, Alemanha e Inglaterra e no dia 1° de julho de 1912, inaugura a Companhia Agro Fabril Mercantil. No dia 5 de junho de 1914, com técnicos europeus, mil operários só nas instalações fabris e milhares nos campos de algodão, tem início aprodução em massa dos fios e linhas.

Em pouco tempo, Delmiro começa a exportar linhas para o Perú e Chile. Mas Delmiro era também um reformador. Manda construir a Vila Operária da Pedra, a primeira de que se tem notícia no Nordeste. Um modelo para a época: 256 casas de alvenaria, alinhadas em ruas regulares, iluminação elétrica e água encanada. Em 1916, já funcionavam na Vila, quatro escolas, serviço médico e uma Caixa de Previdência Operária. E, antes mesmo que a legislação brasileira pensasse: regime de oito horas de trabalho, descanso semanal aos domingos e 13° salário.

Mas a fama de Delmiro mais uma vez desagrada a muita gente. A poderosa firma inglesa, Machine Cottons, por exemplo, que antes controlava sozinha o mercado de linhas e fios no Brasil. E também aos coronéis José Rodrigues de Lima, de Piranhas, e José Gomes de Sá, de Jatobá. Recomeça, então, mais uma campanha contra Delmiro, e, no dia 10 de outubro de 1917, às 20 horas e 30 minutos, Delmiro estava sentado no alpendre de seu pequeno chalé perto da Fábrica da Pedra. Lia os jornais, tranquilamente, quando, de repente, o silêncio é rompido por três estampidos. Delmiro Gouveia estava morto.

Fonte: Nosso Século, Abril Cultural, 1981.

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