14 de dezembro de 2010

O camelô da palavra

Plínio Marcos trabalhava como palhaço de circo quando leu no jornal que um adolescente, preso por pequeno delito, fora violentado na cadeia por outros quatro prisioneiros, mortos, um a um, pelo rapaz, ao serem libertados. Chocado com o episódio, Plínio só conseguiu se libertar da angústia escrevendo uma peça, Barrela, que imaginou representada pelos atores do circo. O diretor leu a peça e respondeu que nem em sonhos levaria ao público um texto como aquele.


Pouco antes disso, Plínio conhecera a atriz Patrícia Galvão, que procurava um ator para a montagem da peça infantil Pluft, o fastasminha. Indicado por um conhecido, Plínio conseguiu o papel. A convivência com Patrícia Galvão, a Pagu, foi um deslumbramento na vida do rapaz que, na escola, tinha sido péssimo aluno, a ponto de levar dez anos - o dobro do tempo normal - para concluir o então chamado curso primário. Com Patrícia, Plínio descobriu o prazer de aprender: todo domingo, a atriz lia uma peça para seus companheiros de elenco e Plínio apresentou Barrela à atriz,que considerou o texto assombroso, coisa de um novo Nelson Rodrigues.PlinioMarcos

Na década seguinte, o novo e surpreendente autor teatral colecionou prêmios: entre muitas distinções, oito prêmios Molière, sete como melhor autor do ano, uma premiação especial. Plínio Marcos nasceu em Santos, interior de São Paulo, em 1935.Teve uma infância modesta, mas tranquila, num bairro popular, até que entrou para a escola e foi um desastre. O pai, preocupado, tentou ensinar-lhe um ofício. Plínio optou por ser funileiro, mas achou mais divertido trabalhar no circo.


Com a ajuda de Pagu, Barrela foi montada, em 1959, no Rio de Janeiro, mas proibida pela censura um dia depois da estreia. Navalha na carne, encenada por Tônia Carreiro, Nelson Xavier e Emiliano Queirós, e Dois perdidos numa noite suja também tiveram suas carreiras cortadas pela censura, durante a ditadura militar. Mas nada disso impediu que Plínio Marcos escrevesse mais de 30 peças, a maioria com personagens do submundo, prostitutas, rufiões, ladrões, a marginalidade pobre, pela primeira vez personagem do teatro brasileiro. Personagens magistralmente criados, desejados por atores e atrizes que, com eles, podem colocar em prática suas qualidades e recursos. O que este teatro não deu foi vida mansa ao seu autor que, para sobreviver, muitas vezes teve de vender seus livros pessoalmente, nas estações de metrô, saídas de teatro, bares. O que ele fazia com alegria, considerando-se um camelô da palavra. O camelô rebelde morreu em São Paulo, em 1999, mas sua palavra continua em carne viva.

Fonte: Livro 100 Brasileiros (2004)

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Um comentário:

  1. Sem a menor duvida, Plinio foi um grande dramaturgo, infelizmente mal compreendido ..ou não.

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